20121030

De "Argo" a "Camarate"

Vai estrear no próximo dia 8 o mais recente filme realizado e protagonizado por Ben Aflleck, “Argo”. É um filme baseado num artigo da revista “Wired” e produzido por George Clooney. A sinopse diz-nos o seguinte: “Baseado numa história verídica, ‘Argo’, um thriller dramático da Warner Bros. Pictures e GK Films narra a história da operação de risco para resgatar seis Americanos na crise dos reféns no Irão – uma verdade escondida do público durante décadas. Ben Affleck realiza e actua no filme, que está a ser produzido por George Clooney, Grant Heslov e Affleck. A 4 de Novembro de 1979, quando a revolução iraniana atinge o seu ponto de ebulição, militantes invadem a Embaixada dos Estados Unidos da América no Teerão e fazem reféns 52 Americanos. Mas, no meio do caos, seis Americanos conseguem escapar e encontrar refúgio na casa do Embaixador Canadiano. Sabendo que é só uma questão de tempo até os seis serem encontrados e provavelmente mortos, um especialista da CIA chamado Tony Mendez (Affleck) surge com um plano arriscado para fazê-los sair do país em segurança. Um plano tão incrível, digno de um filme”. É com agrado que vejo estrear este filme, pois há ainda uma outra história que o filme não conta e que, para mim, é bem mais interessante. Afinal, e como é que foram depois libertados os 52 reféns? O filme só fala de seis… Ora, essa história ainda está por contar e não acredito que, tão depressa, Hollywood vá fazer um filme sobre o caso. Teria de ser um filme onde iriam falar de um presidente dos EUA, Jimmy Carter, que tentava negociar a libertação dos reféns com os radicais islâmicos do Irão antes das eleições presidenciais, que iriam ter lugar a 4 de Novembro de 1980, ou seja, exactamente um ano após o ataque à embaixada e início da crise dos reféns. O filme teria de falar do problema que Jimmy Carter enfrentava, pois tentava libertar os reféns antes das eleições e garantir a reeleição. Mas, do lado dos Republicanos, estavam o ex-actor e ex-governador da Califórnia, Ronald Reagan e ainda um ex-chefe da CIA, George Bush. E houve encontros secretos em Madrid e Paris, entre membros da campanha Reagan/Bush e iranianos para negociarem a não libertação dos reféns antes da ida dos americanos às mesas de voto, pois assim iriam conseguir evitar que Jimmy Carter pudesse ter a sua “Surpresa de Outubro” e vencer as eleições. E, para garantir essa não libertação, os iranianos receberam armas de forma ilegal, furando o embargo internacional. Armas que teriam passado por Portugal, num negócio perigoso e que esteve na origem da morte do primeiro-ministro português e do ministro da Defesa, a 4 de Dezembro de 1980, num atentado contra o avião onde ambos seguiam e que ficou conhecido como Camarate. E, finalmente, a 20 de Janeiro de 1981, após a tomada de posse de Reagan e ao fim de 444 dias de cativeiro, os reféns de Teerão foram libertados. E o mundo nunca mais foi o mesmo… Mas, esta história Hollywood não conta. Talvez agora, graças ao filme, os jornalistas se lembrem dela…

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20121022

Jornalismo no ano 2000

2º Congresso dos Jornalistas Portugueses, 12 a 15 de Novembro de 1986...

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20121017

Que da noite se faça o dia

Vamos lá ver se nos entendemos. Há jornalistas em risco de desemprego na agência Lusa, há despedimentos anunciados no diário Público, revistas que fecham e outras que cortam nas colaborações dos jornalistas externos. Não há “cheta”, diz-se. A crise não justifica tudo, mas ajuda. Pois, numa altura destas, em que tudo parece desmoronar-se, vejo aqui a melhor oportunidade para se construir algo sólido. No entanto, para tal, é necessário perceber como é que se chegou ao jornalismo que se produz nos dias de hoje. E perceber o que se quer. É que parece que ainda há quem não tenha percebido. Por exemplo, o Sindicato dos Jornalistas ainda não percebeu, pois acabou de me informar que, no dia 18, pelas 11 da manhã, vai haver uma vigília de jornalistas em frente à Presidência do Conselho de Ministros, como se isso fosse mudar algo. É que não vai, não. E vou explicar porquê. Vou fazê-lo através de uma peça de teatro. Chama-se “A Noite”, estreou em Maio de 1979, e foi representada pela primeira vez pelo Grupo de Teatro de Campolide. Foi escrita por José Saramago. O prémio Nobel da Literatura de 1998. A noite é a noite de 24 para 25 de Abril, no ano de 1974.
A acção passa-se na redacção de um jornal não identificado. Há um administrador, dois contínuos, um director, um chefe de redacção, a secretária de redacção, redactores de “Província”, “Parlamentar”, “Estrangeiro”, “Cidade” e “Desportivo”, mais dois redactores não especificados, um fotógrafo e uma estagiária. Depois, temos ainda o chefe de tipografia, um linotipista e um compositor manual. Estes três últimos são os principais motores da acção e proporcionam alguns diálogos bastante críticos. Quando, por exemplo, o chefe de tipografia, Jerónimo (Valdemar de Sousa), enfrenta o chefe de redacção, Abílio Tavares (António Assunção) por causa de uma notícia da Guarda, preparada pelo redactor da secção “Província”, Torres (Luís Alberto), dá-se o seguinte diálogo: ++++ - VALADARES (Levantando-se) Você não me vem ensinar o direito que eu tenho. Nesta Redacção quem manda sou eu. Eu é que resolvo o que se publica ou não se publica. A notícia da Guarda não tem interesse para o jornal, já há pouco me tinha querido parecer e agora confirmei. Precisa de mais explicações? (Para Jerónimo.) Pode ir. Daqui a pouco lhe mando o artigo do director. - JERÓNIMO (Ao afastar-se, bate no ombro de Torres) Deixa lá, não te rales tanto. O verbo é sempre o mesmo: eu obedeço, tu obedeces, ele manda. E para quê? Para fazer uma coisa que de jornal só tem o nome e o papel... (Encaminha Torres para o seu lugar.) - VALADARES O senhor Jerónimo far-me-á o favor de não vir para aqui indisciplinar a Redacção. Guarde esses entendimentos lá para fora. Aqui não admito. Para cumprir a sua obrigação profissional, só tem que falar comigo ou com os redactores que eu designar para o efeito. Percebeu? - JERÓNIMO (Volta a Valadares) Ouça, senhor chefe da Redacção, estou pouco interessado em discutir consigo, nada interessado até, mas uma vez que me pediu por favor que não indisciplinasse a Redacção, não lhe vou ficar atrás em delicadeza. Portanto, faça por sua vez o favor de admitir que eu, como trabalhador deste jornal, ou prefere que diga funcionário?, tenho tanto direito como o senhor a dar opiniões sobre o que neste jornal se passa e o que este jornal faz. E se o senhor é o chefe da Redacção e está a dizer-me que me lembre disso, lembro-lhe eu que sou o chefe da Oficina... - VALADARES Da Oficina, não. Do turno da noite. - JERÓNIMO Coitado de você, se não fosse o turno da noite, coitado do seu lindo jornal, se não fosse o turno da noite. (Para Torres.) Não faças caso. (Vai dirigir-se para a porta da tipografia, mas volta atrás subitamente.) Apesar de tudo, também sou leitor deste jornal. (Sorri.) ++++ Nesta altura da noite ainda não se sabia que estava uma revolução na rua. Quando se começou a falar de movimentações de tropas, entram na redacção Jerónimo, acompanhado por Afonso, o linotipista e Damião, da composição manual. E diz Valadares: - Que se passa? Há algum problema? Três já fazem comissão… - JERÓNIMO (Com serenidade que cobre uma exaltação profunda) Está uma revolução na rua. O que é que o jornal vai fazer? Quando começam a ir originais para dentro? ++++ Como se vê através do diálogo, em 1974, na altura da última revolução conhecida em Portugal, os jornais eram uma máquina com vários elementos que se completavam. Os jornalistas trabalhavam com a matéria-prima que o dia-a-dia lhe proporcionava e tinham de produzir notícias que, antes de chegarem aos leitores, eram entregues aos tipógrafos. Estes, por sua vez, pegavam nas notícias como matéria-prima do seu trabalho, e passavam depois para a composição e impressão. Um trabalho de equipa. Neste ritmo de trabalho, no entanto, havia um claro jogo de poderes. Note-se no momento da noite em que Valadares pergunta a Jerónimo como é que soubera que havia uma revolução na rua. E o chefe da Oficina esclareceu: - Não tenho nada que responder. Digo que está uma revolução na rua, e, como chefe da Oficina, venho perguntar que é que o jornal faz. O resto é com os senhores jornalistas. Eles é que são pagos para saber as notícias. ++++ E, mais à frente no diálogo, quando se tenta perceber se o golpe é de direita ou esquerda, Jerónimo dita condições: - Se o golpe for de direita, ainda mais de direita, temos de estar preparados. Se for da esquerda… (Interrompe-se, quebra pela primeira vez a sua aparente impassibilidade, apoia-se nos ombros dos companheiros) Se for de esquerda, será a noite da nossa festa, e isto de festas, o melhor é começá-las o mais cedo possível. (Outro tom) Dou-lhe um quarto de hora para nos dizer o que pensa fazer. O jornal tem de começar a andar, e não há notícias na tipografia, nem vejo que as estejam a preparar aqui. Um quarto de hora. ++++ O poder dos tipógrafos era tremendo. Eles podiam condicionar o trabalho dos jornalistas e funcionavam como uma sociedade à parte. Os empregos nas tipografias passavam de pais para filhos. Para que houvesse um bom produto final, era necessário conciliar a harmonia entre a redacção e a tipografia. Mas, na hora do balanço final, eram os tipógrafos que tinham mais força. Quando os jornalistas faziam greve para reivindicar os seus direitos, tinham de contar com o apoio solidário dos tipógrafos, senão a greve falhava. Afinal, os tipógrafos eram os únicos que detinham o poder de evitar que uma edição feita apenas por um director, chefe de redacção e um estagiário. Se não pudesse ser impressa, não chegava à rua. Se os tipógrafos fizessem greve, não precisavam da solidariedade dos jornalistas. Estes podiam escrever as notícias que quisessem, mas não seriam depois impressas e distribuídas. E isso durava o tempo que os tipógrafos quisessem. Dez anos mais tarde, em Inglaterra, um australiano chamado Rupert Murdoch acabou com isso tudo. De um dia para o outro, aproveitando as novas tecnologias, conseguiu despedir de uma assentada, 2500 tipógrafos. E os que fizeram os jornalistas? Foram solidários com os camaradas trabalhadores do seu jornal? Não. Gostaram da ideia de já não dependerem da influência dos tipógrafos e continuaram a trabalhar.
Hoje, os jornalistas são as vítimas dessa falta de solidariedade. Não adianta andarem a fazer greves, pois não há a solidariedade dos tipógrafos. Não há a solidariedade de ninguém. Os jornais vão ser impressos na mesma. Não contem, por isso, com a solidariedade dos leitores. Esses têm mais em que pensar e estão-se a marimbar para os jornalistas. Querem é um produto final que lhes agrade. Se encontrarem, compram. Se não encontrarem, vão à procura em publicações estrangeiras. O Sindicato dos Jornalistas já não representa quase ninguém, pois não há jornalistas nas redacções: existem para lá uns tipos que alinham uns comunicados, fazem uns telefonemas para amigos e tentam ganhar a vida a produzir umas coisas para encher a tempo a internet e para ser impresso numa folha de papel de acordo apenas com o único critério daquilo que eles acham que é importante e, no fundo, reproduz apenas o gosto do seu umbigo. Um sindicato que queira fazer qualquer coisa para mudar isso, deveria olhar para as condições em que muitas redacções se “alimentam” para produzirem notícias. Quem são os profissionais, quais os seus salários e quais as condições de trabalho. Qual o fosso salarial entre quem manda e quem obedece? E, depois, como são divulgadas para os leitores, por que meios? Nessa altura, vão perceber que não há jornalistas. Há apenas órgãos de Comunicação Social. Sem jornalistas, pois é preciso abdicar da qualidade de ser jornalista para poder sobreviver àquilo que hoje se faz. E é por isso que eu digo que esta é uma época radiosa para quem quiser ser jornalista. A edição em livro da peça de teatro de José Saramago tem uma frase introdutória. É uma frase que eu já dizia há muito tempo, ainda antes de a conhecer nesta obra. Diz assim: “Todos faremos jornais um dia”. E é verdade. Que da noite se faça o dia.

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20121015

Feira do Livro - Gare do Oriente

Enquanto ainda não há novidades em relação a um próximo livro, informo os leitores mais interessados que as obras "Eu Sei Que Você Sabe", "Poeta&Espião" e ainda a novela "Abril Sangrento", podem ser encontradas na Feira do Livro permanente na Gare do Oriente...